Sentença - Ação de Reanálise de Excomunhão - Prot N 026/2025 | Tribunal da Rota Romana

 

R O T A E   R O M A N A E   T R I B U N A L

SENTENÇA - AÇÃO DE REANÁLISE DE EXCOMUNHÃO
PROT N 026/2025
ARE N 004/2025

RELATOR: Dom Gabriel Cardeal Monteiro
REQUERENTE: Sr. Matheus Zuliani
INTERESSADO: Dom Samuel Henrique
INTERESSADO: Dom Ryan Victor


ANO JUBILAR DE 2025
"A ESPERANÇA QUE NOS RENOVA"

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação de reanálise de excomunhão proposta pelo ex-sacerdote Matheus Zuliani, excomungado ipso facto, para a reanálise de seu estado canônico.

O Sr. Matheus Zuliani interpôs a reanálise de sua excomunhão latae sententiae, alegando questões relacionadas ao seu comportamento passado, com a intenção de retornar à plena comunhão com a Igreja. O processo foi conduzido respeitando os preceitos canônicos e o direito de manifestação dos interessados.

Este Eminentíssimo Relator, no exercício de sua jurisdição canônica, recebeu a presente ação por meio de Despacho, procedendo à verificação dos pressupostos processuais indispensáveis ​​à sua admissibilidade. Em atenção ao devido processo e em conformidade com as normativas aplicáveis, determinou-se a intimação de dois interessados, aos quais foi concedido o prazo de três (3) dias para a apresentação de seus pareceres individuais, devendo ser protocolados no Palácio da Chancelaria. Posteriormente, os referidos pareceres foram regularmente submetidos à minha apreciação para análise e deliberação.

Dessa forma, observadas as formalidades legais e a plena instrução do processo, passo à devida apreciação da matéria sub judice.

O Primeiro Interessado, Dom Samuel Henrique, prefeito do Dicastério para o Clero, manifestou parecer favorável à retirada da pena de excomunhão do requerente. Alegando explicitamente sobre o animus agendi do requerente, e com sua condição, poderia ter interpretado erroneamente a gravidade do delito, bem como de igual forma fora movido "calor do momento", ainda considerou que percebeu o erro pouco tempo após comete-lo buscando a reconciliação com a Igreja.

Ainda, quanto ao exposto acima, alegou, In verbis:

"Uma leve prova disso, e que desse grupo de amigos, somente ele se arrependeu e buscou a reconciliação em curto período de tempo, o que mostra que talvez ele realmente tenha sido tomado por ansiedade e pelo calor do momento, e isso tenha o levado a essa pratica ruim."

O Segundo Interessado, Dom Ryan Victor, manifestou parecer favorável à retirada da pena de excomunhão do requerente, alegando em seu parecer, sobre o animus agendi do requerente, citando naturalmente os cânones 1323 §1 n.2 e 1324 §1 n.1, sobre a não culpabilidade da infração ao delito e sobre a condição racional. Ainda ressaltou a espontaneidade do momento do delito, e que teve uma boa intenção, não ciente da gravidade do erro.

Ainda, embasando-se no tema aludido, alegou à respeito do mérito em questão, in verbis:

"O mesmo demonstrou seu arrependimento, e professou suas desculpas, diferente dos outros que cometeram o mesmo erro. Nisso, olhando para o seu arrependimento e olhando as orientações e apoio dos seus responsáveis em casa, vê-se um respeito pela missão, e o desejo pela reconciliação."

Encerrada a fase instrutória e cumpridas as formalidades de estilo, foram os autos remetidos à conclusão para a devida prolação da presente sentença. Encerro, assim, o relatório, e avanço ao mérito. Decido.

M É R I T O

Observo ab ovo, os seguintes requisitos para a procedência da Ação de Reanálise de Excomunhão:

I) O Verdadeiro arrependimento do excomungado pela prática do delito que ensejou sua excomunhão;

II) O Completo abandono do delito vetor da excomunhão.

Ressalta-se que ambos os requisitos são completares um ao outro, observando-se que não haverá verdadeiro arrependimento pela prática do delito, se ainda permanecer no vício do erro.

Após a análise dos pressupostos, passa-se a análise do animus agendi do sr. requerente, visando que os pressupostos estabelecidos pelo cânone 1323 - da realidade - (sobre os sujeitos passíveis as sanções canônicas), apresentam positividade em dois pontos, verifico integralmente a procedência da ação.

Ab initio, considerando a avaliação dos interessados, exorto que o parecer exarado não se limite à exposição de dados e registros pretéritos do sr. requerente, mas também contemple uma análise substancial convicta de sua atual condição canônica, verificando-se o cumprimento dos requisitos supra para a remoção da excomunhão. Ademais, impõe-se a prudente averiguação acerca de eventuais riscos que o requerente possa apresentar à Sé Apostólica, resguardando, assim, a integridade do apostolado.

Superado este ponto, ainda que juridicamente correta a configuração da penalidade de excomunhão ipso facto, tal fato não deve ser tomado como elemento exclusivo para a perpetuação do estado canônico irregular do requerente. Com efeito, nos termos do cân. 1323, n. 2 e 6, o agente que incorre em delito privado de plena imputabilidade — seja por perturbação mental ou outra causa semelhante que afete significativamente a consciência e o domínio da vontade — não está sujeito à pena canônica, ou ao menos a sofre com atenuação substancial. No presente caso, reconhece-se, à luz de pareceres técnicos e da dinâmica dos autos, que o requerente é diagnosticado com transtorno do espectro autista, condição esta que afetou de modo sensível sua percepção da gravidade do ato cometido.

O comportamento que levou ao cisma não derivou de obstinada rejeição da autoridade eclesiástica, mas manifestou-se como reação impensada e imediata, fruto de grande perturbação interior, no calor de circunstâncias emocionais exacerbadas e incompreensões doutrinais que excediam, naquele momento, a capacidade interpretativa e afetiva do requerente. Ausente, portanto, o dolo pleno, resta atenuada — quando não excluída — a culpabilidade subjetiva do agente, o que deve ser considerado com ponderação pelo julgador eclesiástico, conforme prevê o direito penal canônico.

Ademais, conforme nobremente consignado nos autos, a pena de excomunhão possui natureza essencialmente medicinalis, sendo imposta não com espírito de exclusão, mas para: I) proporcionar-lhe a oportunidade de um exame profundo de consciência, conduzindo-o ao reconhecimento de suas faltas e ao devido prejuízo; e II) preservar a comunidade eclesial da influência de concepções dissociadas do Magistério da Igreja. Esta dupla finalidade, de natureza curativa e preventiva, constitui a razão teológica e jurídica da sanção penal.

No caso sub judice, é notório que, pouco tempo após o fato, o requerente buscou espontaneamente este egrégio Tribunal, desejoso de submeter-se à apreciação canônica da pena, demonstrando clara intenção de reconciliar-se com a Igreja. A celeridade e sinceridade de sua iniciativa reforçam o entendimento de que houve arrependimento verdadeiro e propósito firme de retorno à plena comunhão eclesial.

Dessa forma, mesmo considerando a gravidade objetiva do delito de cisma — que implica, em tese, ruptura consciente da comunhão com a Igreja — verifica-se que, passados os eventos iniciais, o requerente afastou-se do iter cismático e, com reta intenção, procurou os meios canônicos legítimos para reatar sua comunhão com a Sé Apostólica. Após acurada análise dos elementos coligidos, constata-se que estão preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos exigidos para a concessão da remissão da pena, nos termos do cân. 1347 §2, sendo possível afirmar, com segurança moral, que os fins próprios da sanção foram plenamente alcançados.

Ademais, a Igreja, sempre fiel ao mandato do Senhor de perdoar “setenta vezes sete” (Mt 18,22), reconhece na reconciliação não apenas um ato de clemência, mas a plena manifestação de sua missão salvífica. Assim foi reafirmado na reforma da Cúria Romana promovida por Sua Santidade, o Papa Gregório V, através da Constituição Apostólica Praedicationis Ministerium. Ora, à luz das circunstâncias concretas do presente caso, da ausência de dolo pleno, das limitações cognitivas do agente e da diligência em buscar o retorno à comunhão, verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos necessários à concessão da remissão da pena e ao consequente restabelecimento da plena comunhão eclesial.

Por tudo isso, e com base nos cânones 1323, 1324 §1 e 1347 §2, a remissão da pena de excomunhão latae sententiae e a reconciliação canônica do requerente com a Santa Igreja devem ser deferidas.

Ex positisJULGO PROCEDENTE o pedido de retirada de excomunhão requerido pelo sacerdote excomungado ipso facto, Sr. Matheus Zuliani e ainda mais CONSIDERO:

I - RETIRO a excomunhão latae sententiae do Sr. Matheus Zuliani reservada pela Sé Apostólica ipso facto bem como revogo todos os efeitos e condições;

II - SOLICITO ao Dicastério para o Clero para incardina-lo numa circunscrição eclesiástica.

P.R.I.C.

Dado e Passado no Palácio da Chancelaria em Roma, sob o Pontificado de Gregório V, ao quarto dia do mês de maio do ano jubilar de 2025.

Gabriel Cardeal Monteiro 

Decano


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